quinta-feira, 11 de agosto de 2011


    No filme “Gênio Indomável”, tanto os importantes, polêmicos e originais temas abordados quanto o elenco e a direção conferem, indiscutivelmente, um impactante efeito sobre os telespectadores. O filme conta a história do jovem órfão Will Hunting, que tem poucas condições financeiras e três grandes amigos (Chuckie, Morgan e Billy). Trabalha como faxineiro numa conceituada universidade norte-americana (MIT), já tem passagem pela polícia; entretanto sua inteligência é surpreendente, ainda mais considerando que nunca teve acesso a uma educação formal (ou seja, sempre aprendeu e estudou por conta própria). Depois de uma  briga, acaba sendo detido. Porém, devido à intervenção do Professor Lambeau (que leciona em MIT), Will é solto, com a condição de estudar matemática e fazer sessões de terapia, travando-se ai o impasse da história, já que nenhum psicoterapeuta consegue fazer com que Will se abra e fale sobre seus sentimentos, com exceção de Sean Maguire.

  

    Como protagonista, Matt Damon (interpretando Will Hunting) foi praticamente impecável. Para tanto, foi necessário um longo período de estudo sobre a personagem, uma análise profunda do comportamento provocado pela conjugação dos vários fatores determinantes na vida de Will: o abandono, a solidão, a criação em um orfanato, o envolvimento com bebidas, a má condição financeira, passagem pela polícia, envolvimento em brigas, a genialidade (mesmo sem frequentar a faculdade), e o mais importante: a falta de inteligência emocional. O resultado foi excepcional, a veracidade transmitida pelo ator nos permite em apenas duas horas traçar um perfil psicológico bem complexo. Ele consegue nos transmitir com perfeição os sentimentos que motivam cada atitude de Will, como por exemplo, quando ele garante que não ama Skylar (por insegurança) e mais tarde corre atrás dela (ao perceber o erro que cometeria se ficasse sem ela); e também,  em uma das mais tocantes cenas do filme, ao lhe ser afirmado repetidas vezes que nada do que havia ocorrido era de fato sua culpa, Will chora inconsolavelmente, demonstrando-nos sem uma única palavra que a vida lhe impôs muitos obstáculos, o que resultou em sua atual conduta. Essa possibilidade de clara interpretação é apenas atingida devido ao ótimo desempenho do ator.
     Outra personagem de suma importância na história é Sean Maguire, o único psicoterapeuta que conseguiu acessar o íntimo de Will. Com extrema autenticidade e despojamento, Robin Williams atuou com uma mescla de seriedade, profissionalismo e um toque de humor. Foi observada, graças a sua atuação, a facilidade de controle emocional quando se relacionava a profissão, porém completo desconcerto ao citar a face pessoal,  especialmente relacionado à esposa, que falecera. Ao assistir à cena em que Will elabora diversas suposições errôneas sobre a esposa de Sean, percebe-se o repentino descontrole do terapeuta, evidenciado pela grandiosa interpretação do ator. Outra cena de desestabilidade desta personagem é quando ele discute duramente com o professor Lambeau, tendo este último questionado seu passado e sua satisfação com o atual estado (Sean se mostra muito alterado, até um pouco nervoso ao abordarem sobre esse assunto). Muitos garantem que Robin roubou a cena, tanto é que ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante pela brilhante atuação.
    Além desses dois astros, Gênio Indomável também tem seu elenco engrandecido por Stellan Skarsgard (professor Gerald Lambeau), Minnie Driver (Skylar) e Ben Affleck (Chuckie). O professor Lambeau foi quem “descobriu” e posteriormente reconheceu a inteligência de Will. Além das falas, pela expressão e gesticulação de Stellan, é claro o sentimento de superioridade que a personagem tem em relação a todos a sua volta.  Minnie Driver conferiu a Skylar (sua personagem) a força para encarar sua vida e concomitantemente uma boa encenação nos altos e baixos de sua relação amorosa com Will. Chuckie tem uma pitada de humor, juntamente com rebeldia, mas também, em certos momentos, usa-se de seriedade, como na passagem em que afirma para Will que ele deve trilhar seu caminho, valorizando seu dom.

 
A trilha sonora e fotografia, lideradas por Danny Elfman e Jean Yves Escoffier, respectivamente, também merecem destaque, pois certamente colaboram para a ótima reputação do filme. Os recursos audiovisuais são a porta de entrada para a conquista do telespectador, portanto conclui-se que esses profissionais realizaram um ótimo trabalho.
O diretor é Gus Van Sant. Formado na Escola de Design de Rhode Island, já dirigiu sucessos  independentes como "Kids" e "Garotos de Programa", além de outros filmes, como "Encontrando Forrester”, “Paris, te amo” e “Psicose”. Também dirigiu o videoclipe das músicas "Under the Bridge", do Red Hot Chilli Peppers, e "Weird", do Hanson. Em “Gênio Indomável” superou as expectativas, exercendo muito bem seu trabalho.
    O roteiro foi inusitadamente escrito por Ben Affleck e Matt Damon, jovens estreantes que conseguiram o prêmio que muitos veteranos desejavam: o Oscar de melhor roteiro. E não é para menos. Além de diálogos bem estruturados e personagens com grande peso emocional, o filme consegue explorar uma variedade de temas de grande relevância  sendo que alguns destes não são comumente abordados em outros filmes. Inteligência, genialidade, conhecimento, influência do meio social, capacidade de lidar com as emoções, sucesso e derrota, perda e preconceito são bons exemplos, e fazem de “Gênio indomável” um roteiro capaz de agradar a todos os interessados em mergulhar numa história profunda.
     Em muitas passagens (por exemplo, em uma cena num bar, onde Clark, um estudante de história, começa a se gabar diante de Will e seus amigos, pois pensava que, como estes eram pobres, não tinham formação acadêmica) , podem-se evidenciar preconceitos relacionados a questões sociais. Um conceito que ainda hoje está presente em nossa sociedade é que o conhecimento/inteligência está relacionado a uma questão sócio-econômica. É inegável que quanto melhor a condição financeira, maiores são as oportunidades de ter uma educação de qualidade. No entanto, isso não significa que pessoas de baixa renda não possam estudar, ter conhecimento, desenvolver sua capacidade de raciocínio e ser inteligente. Um grande exemplo foi Machado de Assis, que além de pobre era mulato, e apesar de sofrer muitos preconceitos, tornou-se um renomado escritor. O mesmo se passa com Will, que mesmo pobre e com poucas condições, tem uma incrível capacidade intelectual.  Além disso, é conveniente ressaltar que apesar deste conceito ainda estar presente em nossa sociedade, ele vem progressivamente se alterando em algumas regiões, tais como em certos países europeus (com destaque para Alemanha), nos quais tanto de pessoas de alta e baixa renda tem acesso ao mesmo nível de educação (em alguns casos, inclusive freqüentam a mesma escola).
    Outra cena mostra o comum hábito que temos de julgar as pessoas pela aparência e posição social: o professor Gerald Lambeau propôs a seus alunos a solução de um teorema (o qual ele próprio julgava bastante complexo). No dia seguinte, o teorema aparece resolvido, contudo ninguém sabe quem foi. Lambeau descobre que foi Will, e não consegue acreditar que um simples faxineiro, que nunca teve acesso às aulas da faculdade, conseguiu resolvê-lo. Ou seja, somos julgados primeiramente pela imagem que passamos para a sociedade, e raramente pelos nossos pensamentos, atitudes e capacidade, o que demonstra que muitas vezes a aparência se sobrepõe a essência. Observa-se também uma boa caracterização do filme quanto à questão pobreza x riqueza. Os cenários que retratam esses ambientes são bem antagônicos: o mundo de Will, marcado pela informalidade, linguagem coloquial (beirando à vulgaridade), presença constante de palavrões, bebida, cigarro, brigas, vestimentas simples, etc.; e o mundo das universidades, marcado pela formalidade, enormes investimentos em educação, poucos problemas financeiros (mundo com o qual Skylar está ligada).
    Depois destas observações, passemos para o ponto que constitui o tema central do filme: genialidade lógica não equivale à inteligência emocional.  Will é extremamente inteligente, possui um raciocínio lógico fantástico (o qual inclusive superou o do professor Lambeau), é realmente um gênio.  Tal característica é própria dele, é diferente daquelas pessoas que são inteligentes porque se esforçam e estudam muito. Will já nasceu com essa capacidade, e só foi aprimorando-a (consegue resolver facilmente complexos problemas de matemática combinatória, química orgânica, tem uma incrível capacidade para guardar informações).  É uma espécie de superdotado, pessoa que nasce com uma quantidade maior de conexões (sinapses) entre um neurônio e os outros (não possuem mais neurônios, como se acreditava antes), o que, dentre outras coisas, faz com que pensem mais rápido, sejam mais criativos e tenham uma memória afiada, caso comparados a maioria da população. No entanto, essa genialidade não é garantia de sucesso ou de uma condição financeira estável.  Vários fatores são necessários para se obter sucesso, como esforço, dedicação, determinação, vontade. Nada adianta ser um gênio desmotivado e sem perspectivas.
    Como visto, “Gênio Indomável” trabalha em torno do conceito inteligência. Existem vários tipos de inteligência, tais como: lingüística, emocional, intrapessoal, interpessoal, corporal, musical, lógico-matemática.  Will é uma pessoa sem inteligência emocional, é vazio, não sabe como lidar com seus sentimentos. E parte dessa característica é decorrente de sua história de vida. Ele é órfão, criado em orfanato (em outras palavras, não teve carinho, amor e proteção de pais na época em que mais precisava), teve contato com cigarro e violência desde muito novo. Nessa parte, pode-se identificar a influência que o meio exerce sobre os personagens (o que remete à tese do Determinismo, na qual Hippolyte Taine afirmava que as características das pessoas/personagens seriam determinadas ou influenciadas por três fatores: raça, momento e meio). O meio determinou muitas características emocionais de Will.
    A dificuldade de falar sobre seus sentimentos faz com que Will utilize sua grande capacidade de análise, observação e compreensão para tentar descobrir as sensações de outras pessoas a partir de suas atitudes, gestos e objetos. Trata-se de uma técnica de defesa (atacar primeiro para não ser atacado), pois consegue abalá-las emocionalmente, atacando seus pontos fracos, e com isso impede que os outros o ataquem e que eventualmente  falem sobre sentimentos de Will (ponto que quer manter bem protegido). Um exemplo é a análise que fez sobre a pintura de Sean. Will nunca colocou crédito nos terapeutas, sempre arrumava uma maneira para aborrecê-los. Quanto a Sean, a partir de um quadro, descreveu que o psicólogo estava no meio de uma  tempestade, desesperado, sem ter um “porto seguro” (motivo pelo qual o levou à escolha dessa profissão). Talvez tivesse casado com a mulher errada, que o traiu ou abandonou. Porém, sentimentos não são lineares, são muito subjetivos, o que faz Will errar, pois a mulher de Sean havia morrido de câncer.
    A vida é a mescla entre o emocional e o racional. Pessoas como Will tem apenas o conhecimento superficial adquirido em livros, nunca foram dominadas pelas mais puras emoções, como acordar ao lado da mulher amada, ter um colo amigo para desabafar nas horas difíceis, nunca passaram por nada, nunca amaram ninguém mais do que a si próprias, são fechadas e têm um grande vazio emocional. Não há pesquisas que expliquem porque pessoas  extremamente inteligentes apresentam dificuldades para se relacionar e lidar com suas emoções. Uma possível explicação seria que tais gênios gostam de ter a sensação de controle, prever o que vai acontecer. Contudo isso não se aplica aos sentimentos, é muito difícil saber a reação de alguém diante de uma determinada situação. Logo, com medo de se frustrarem, caso as coisas não aconteçam do jeito que imaginam, preferem não vivê-las, chegando ao ponto de terminarem relacionamentos amorosos para não descobrirem as imperfeições do parceiro ou para não correrem o risco do abando, traição. Têm dificuldade de se relacionar com o mundo real, pois sempre imaginam coisas negativas no futuro.  Outra característica é o descontrole emocional. Como não expressam suas sensações, essas ficam armazenadas, e vão se acumulando até a hora que explodem.  A princípio essas pessoas são dominadas pela raiva, não possuem total controle sobre o que falam (as palavras saem involuntariamente) ou fazem, e com isso acabam ofendendo e magoando aqueles que mais as amam e ajudam. Depois de descarregar parte desses “sentimentos acumulados”,  choram e sentem-se confusas por não saberem mais o que querem de suas próprias vidas.  Por isso a ajuda de profissionais é essencial.  Sean, preocupado com o desenvolvimento moral de Will, ajudou-o a abrir novos horizontes, a falar sobre suas emoções, que o erro pode ser uma outra forma de aprendizado e que a felicidade plena só é obtida quando atingimos o equilíbrio. Com essa nova concepção sobre a vida, as chances de Will ser uma pessoa bem sucedida (tanto no âmbito profissional quanto moral) são muito maiores.
    Além de todos os assuntos já abordados, há outros sutilmente apontados no filme. O primeiro é introduzido pelo próprio Will, que tem medo de perder Skylar simplesmente por ser pobre. Antigamente, camadas sociais diferentes não se misturavam, e o casamento só era permitido entre membros da mesma classe. Embora com menos freqüência, isso ainda acontece atualmente. As pessoas em geral têm a tendência de se relacionarem com outras de um nível econômico semelhante ao seu, às vezes, até a própria família cobra isso. São resquícios dos costumes de nossos antepassados que permanecem até hoje, mostrando que tradições, aparência social (a sociedade em si condena casamentos entre classes muito distintas) e dinheiro se sobrepõem em relação aos valores morais e aos sentimentos.
     O segundo assunto é quando Will está numa reunião, mas não aceita o emprego e critica a proposta de trabalho de empresa, em especial as guerras de petróleo.  Embora muito posterior ao filme, é possível citar a Guerra do Iraque em 2003. Os Estados Unidos, sobre o governo de George W. Bush, alegaram a existência de armas de destruição em massa no Iraque, as quais poderiam colocar em risco o país. Apesar de inspetores da ONU não terem encontrado tais armas químicas e biológicas, essa foi a argumentação utilizada pelos Estados Unidos para invadir o Iraque. Claro que as tropas norte-americanas obtiveram melhor desempenho, matando milhares de soldados iraquianos, inclusive pessoas inocentes, desestruturando famílias e a organização social e econômica do país.  Todavia, o Iraque é o segundo maior produtor de petróleo do mundo, e o EUA, além do maior consumidor, não é auto-suficiente nesse recurso energético. Logo, dominando o Iraque, o EUA poderia assegurar o fornecimento de petróleo e manter uma estabilidade nos preços. (e ainda os soldados americanos ganhariam a reputação de “heróis nacionais”, por teoricamente estarem defendo seu país contra possíveis ataques iraquianos).
    Fica claro que Gênio Indomável é imperdível. Além de ter uma equipe fantástica e roteiro muito bem elaborado, aborda temas de grande relevância. A união dessas características torna o filme surpreendente, original, e com chances mínimas de gerar decepção aos telespectadores em qualquer aspecto a ser avaliado.


Um comentário:

  1. Ótimo filme e ótima resenha!
    Assisti o filme recentemente e me fez refletir bastante. Esta é uma produção incrível, uma das melhores que já vi.
    Sua resenha captura bem os principais dilemas do filme, principalmente porque há evidências para as afirmações.
    Parabéns

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